terça-feira, 2 de dezembro de 2014

AS FRONTEIRAS DA GLOBALIZAÇÃO

2 dezembro 2014, Jornal de Angola EDITORIAL http://jornaldeangola.sapo.ao (Angola)

Os países ricos estão a fechar as suas fronteiras ao arrepio de uma globalização por eles engendrada e imposta a todos os países do mundo, em nome da democracia planetária e da igualdade de oportunidades.

Os nacionalismos estão de volta e em alguns casos, com uma face mais violenta e intolerante. Na Europa cresce a ideologia nazi e partidos políticos ontem sem expressão, hoje ganham eleições “livres e democráticas”.
 
Nas últimas eleições para o Parlamento Europeu, dois partidos de extrema-direita, racistas e xenófobos, ganharam as eleições no Reino Unido e na França da Revolução Francesa e dos Direitos do Homem. Na Suiça foram colocados entraves à entrada de imigrantes. É uma política de Estado. O passo seguinte é permitir a entrada de apenas 16.000 estrangeiros por ano, por “razões ecológicas”.
 Em toda a União Europeia o caminho é restringir a imigração. Enquanto foi necessária mão-de-obra escrava para as grandes obras públicas, os imigrantes, sobretudo africanos, eram desejados. Agora são escorraçados.

Os governos dos países ricos estão
a levantar muros à globalização, fechando fronteiras e recusando direitos sociais aos imigrantes. O Papa Francisco foi a Lampedusa e fez um discurso crítico aos mentores de uma globalização que só tem uma face: os seus interesses mesquinhos. Lembrou que os milhares de africanos que fogem da Líbia todos os dias, são seres humanos e como tal devem ser tratados. Quanto mais não seja porque eles viviam num país onde nada lhes faltava e as bombas da OTAN destruíram-lhes a paz e o progresso em que viviam nas últimas décadas.
 
O Papa foi ao Parlamento Europeu e no essencial fez o mesmo discurso. O Homem não é descartável e a riqueza não pode ser só para alguns. O dinheiro não é um deus e o ter jamais pode sobrepor-se ao ser. A condição humana está acima da selvajaria financeira que domina o mundo. O sector financeiro estendeu os seus tentáculos a todo o mundo, beneficiando das delícias da globalização. E ao mínimo abanão, todos regressam aos seus feudos de riqueza e poder, fechando as fronteiras na cara de milhões de pobres, produzidos pelo sistema nas últimas décadas.

A globalização acenava com progresso e democracia para todos. Os que se pusessem fora do sistema democrático ficavam fatalmente isolados. As ditaduras iam acabar por asfixia das democracias florescentes em todos os continentes. Aos primeiros desaires, as democracias nos países ricos começaram a perder fulgor e hoje as liberdades individuais são insuportavelmente comprimidas em nome da segurança. Mas quem causa a insegurança, a revolta cega e a violência gratuita são os arautos da globalização. Em nome da democracia foram imoladas milhões de vidas humanas no Iraque, na Líbia, na Síria, no Egipto, no Afeganistão e tantos outros teatros de guerra onde prevalece a política experimentada na última década do século XX no Iraque: “medo e pavor”.

Os autores desta estratégia triunfaram em toda a linha. A globalização é hoje veículo de medo, pavor, morte e destruição. As instituições internacionais vocacionadas para a paz e a concórdia, andam à procura de fantasmas ou embrulham-se em situações que são autênticas ingerências em Estados soberanos. Nem Bruxelas nem a sede da ONU até agora se preocuparam com as ameaças do Reino Unido em fechar as suas fronteiras, até aos europeus. Ou a política de Estado que nega aos trabalhadores estrangeiros qualquer protecção social. Um misto de racismo e xenofobia sopra na Europa, mas instituições que devem zelar pelos direitos humanos, estão mais preocupadas com o os garimpeiros ilegais nas Lundas. Ou com aqueles que atentam contra a ordem pública em Angola. Como se valores como a paz e a estabilidade sejam menos valiosos do que ir para a rua gritar insultos contra adversários políticos.
 
A globalização abriu fronteiras e aproximou os povos de todo o mundo. Os benefícios foram inquestionáveis. Mas estão a ser afogados em nacionalismos perigosos, adoptados precisamente por aqueles que defendiam total abertura em nome do progresso planetário e da democracia representativa como sistema universal. A Europa até lançou uma união económica, política e financeira. Mas é precisamente na Europa que os nacionalismos estão de volta e com uma face não muito diferente daquela que conduziu ao desastre da II Guerra Mundial. O nazismo, banido dos Estados, ideologia proscrita nas Constituições, está a pôr em causa a Europa Social. No início, a globalização era veículo de paz, progresso e democracia. Hoje começa a servir de base a muros intransponíveis, como se o mundo fosse um condomínio fechado para os ricos e terra de ninguém para os outros.

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