sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Angola/UMA LIÇÃO DE DIPLOMACIA

11 setembro 2014, Jornal de Angola http://jornaldeangola.sapo.ao (Angola)

José Ribeiro

A 11 de Setembro de 1981, Lagos, a capital da Nigéria, foi palco de um combate diplomático, em que, de uma vez por todas, ficou claro, para África, que as posições do Governo angolano eram justas e as tropas cubanas estacionadas em Angola necessárias para a conquista da independência da Namíbia e o derrube do apartheid.

Alguns dias antes, a 23 de Agosto, as Forças de Defesa da África do Sul (SADF) recuperavam de uma vergonha. Em  1975, as FAPLA, com ajuda cubana, haviam infligido a primeira derrota ao mais poderoso Exército de África. Os sul-africanos eram expulsos de Angola a 27 de Março de 1976.  Começou  o “fim do mito da invencibilidade” da África do Sul.

Mas cinco anos depois, unidades do exército sul-africano voltavam
à carga. E ocupavam uma grande parcela do território angolano, até à Cahama. Essa invasão teve um significado na minha vida como repórter. Nesse ano, antes do ataque, tinha percorrido, com o comissário provincial do Cunene, Ary da Costa,  os lugares que estavam agora ocupados pelas forças sul-africanas. Ary da Costa mostrou-me áreas de Ondjiva já demarcadas e as casas que estavam em construção para as populações. O comissário deu-me a conhecer os planos que o Governo tinha para a província.

Mas os projectos tiveram de ser adiados. Os “carcamanos” entraram com força e arrasaram tudo. Ainda hoje se vêem na cidade as ruínas deixadas pela máquina de guerra do apartheid.
A invasão sul-africana sucedeu-se, ano após ano,  e as minhas idas à Cahama, Matala, Castanheira de Pêra e Cuito Cuanavale foram mais frequentes. Passei a frequentar a sede da SWAPO, em Luanda, e conheci Hidipo Hamutenya, ministro da Comunicação Social, e o actual Primeiro-Ministro da Namíbia, Hage Geingob.

Enquanto fustigavam a economia angolana, destruindo fábricas, pontes e vias férreas, no sudeste de Angola, na Jamba, zona de difícil acesso para as FAPLA, os generais sul-africanos criavam uma base militar para oferecer à UNITA. Além de garantir à África do Sul o estatuto de maior economia de África, esse era, afinal, o outro grande “trunfo” que as invasões sul-africanas de 1981 e de 1983 escondiam e no qual Pretória apostava seriamente.

A "Cimeira de Emergência"
A “Linha da Frente” na África Austral estava traçada. A actuação diplomática africana na ONU era forte e ruidosa, mas não o suficiente para ignorar a pressão do “Grupo dos Cinco”, as poderosas potências ocidentais, com grandes interesses na África do Sul, que exigiam ferozmente a retirada das tropas cubanas de Angola. As Nações Unidas nada mais podiam fazer e arrastava-se o impasse na Resolução 435/78 do Conselho de Segurança. Os Estados Unidos, com Reagan na Casa Branca, queriam alterar o documento e aliciavam aliados.
 
Foi preciso muita capacidade de resistência e habilidade para encontrar soluções e desfazer o nó.  Na capital da Nigéria, a 11 de Setembro de 1981, os líderes dos países da “Linha da Frente”, foram convocados para uma  “Cimeira de Emergência”. A reunião decorre pela primeira vez fora da sua área geográfica - a que se junta o grande gigante africano. Os Presidentes sabem que o momento é grave. Pretória está novamente ao ataque.
 
Julgando a liderança angolana enfraquecida pela morte de Agostinho Neto, fundador e opositor determinado do racismo e do apartheid, e esfregando as mãos pela saída neocolonial de sucesso encontrada em Lancaster House, com os zimbabweanos, o Presidente da Nigéria, Shehu Shagari, coloca em cima da mesa a questão fundamental: trocar as tropas cubanas por um força africana capaz de enfrentar a guerra de agressão permanente da África do Sul, primeiro contra Angola e Moçambique, mais tarde também contra a Zâmbia.

As pressões são feitas sem disfarces. Todos sabem que o problema não se resume a manter o  status quo , e sim libertar o continente do último foco de colonialismo e dos regimes de discriminação racial. Mas isso pode continuar adiado.

E é aqui que a capacidade notável de habilidade diplomática do Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, é demonstrada.  O sucessor de Neto prova que o Governo angolano, pelo contrário, continua firme e determinado no seu compromisso com a libertação de África. A resposta do Presidente é apresentada. José Eduardo dos Santos declara que  está de acordo com a “solução africana” exposta pelos restantes membros da “Linha da Frente”, mas defende que as unidades cubanas só se retirem de Angola “quando chegarem a Angola aviões de caça modernos com as suas tripulações e sistemas de manutenção”, “artilharia de campanha de todo o tipo e particularmente mísseis e artilharia anti aérea”, bem como “tropas blindadas e tropas de infantaria equipadas e treinadas ao nível do inimigo” e “o número de homens não pode ser igual ou inferior aos 11.000 sul-africanos que ocuparam o Sul de Angola”. Como noticiou em primeira mão neste jornal o jornalista Artur Queiroz, o Presidente angolano exigiu que, para obrigar o inimigo a recuar para a Namíbia e daí para a África do Sul, era necessária “supremacia em meios e combatentes”, “a SWAPO não podia ser abandonada à sua sorte” e  tinham que ser enviados para o teatro de operações, meios de transporte aéreos, marítimos e terrestres, alimentação e fardamento para as tropas e assegurados “todos os movimentos logísticos” durante uma guerra, que ia ser longa.

O Presidente José Eduardo dos Santos provou que nenhum país africano tinha todos esses meios. Angola e Cuba eram os únicos que, por  já terem enfrentado e derrotado o poder bélico  do regime de apartheid, sabiam que nenhuma solução seria duradoura se não passasse pela concessão imediata da independência à Namíbia. O comunicado final da “Cimeira de Emergência” em Lagos não deixa lugar a dúvidas. Os Chefes de Estado (Angola, Botswana, Moçambique, Tanzânia, Zimbabwe, Zâmbia e Nigéria) “exigem a retirada imediata, incondicional, total e completa das forças racistas do território da República Popular de Angola” e “reafirmam que a Resolução 435 do Conselho de Segurança da ONU constitui uma base inteiramente satisfatória” para a solução do problema da inpdendência da Namíbia e “rejeitam todas as tentativas tendentes a rever, eliminar ou acrescentar os termos” da Resolução.

África ficou assim definitivamente convencida da necessidade de manter as tropas cubanas em Angola e esta posição passou ser defendida de maneira mais ampla em todo o mundo.


No Triângulo do Tumpo, em 1988, a África do Sul voltou a sentir a sabor da derrota, desta vez para sempre, foram assinados os Acordos de Nova Iorque e a Namíbia conseguiu a independência. Depois disso, o moribundo regime de apartheid começou a jogar o seu último “trunfo” em Angola: Savimbi.

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