quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Angola/A VERDADE SOBRE MAVINGA

25 setembro 2014, Jornal de Angola http://jornaldeangola.sapo.ao (Angola)

José Ribeiro

O livro “War in Angola – The Final South Africa Phase” de Helmoed-Roemer Heitman é uma descrição minuciosa do modo como se desenrolaram os combates em Mavinga entre quatro Brigadas das FAPLA e fortes unidades militares da África do Sul e revela como a 47.ª Brigada angolana ocupou a antiga base logística da UNITA naquela cidade e resistiu de forma heróica às tentativas  e ordens do próprio P.W. Botha para ser desalojada.

As acções de guerra da África do Sul em Angola atingem o seu pico nos meses de Agosto e Setembro. O regime de apartheid aproveita o tempo seco para bombardear e ocupar partes do território angolano. A época das chuvas é reservada aos ataques da UNITA de Savimbi. Na desestabilização de Angola, durante a guerra, as tarefas estavam bem definidas.
 
Após a Independência, a primeira grande invasão sul-africana a Angola ocorre a 23 de Agosto de 1981, com a Operação “Ashakari”. Dois anos depois,
Agosto de 1983, as South Africa Defence Force (SADF) voltam a entrar no território angolano.
 
Todos os anos, a partir de Novembro, os relatos oficiais e das agências noticiosas deixam de falar da actividade das SADF em Angola. Motivo: entram em acção os militares de Savimbi.
 
A actividade da UNITA ganha notoriedade a partir de 1984. A África do Sul já ocupa o Cunene e a UNITA começa as sabotagens às linhas do Caminho de Ferro de Benguela (CFB). O assalto ao Sumbe, dirigido pelo brigadeiro Chendovava, é em Março, a sabotagem às torres de transmissão de energia eléctrica do Dondo desencadeia-se em Outubro, o ataque a Cafunfo é em Dezembro e o ataque à mina do Luó faz-se em Maio de 1985.
 
Na época seca, a guerrilha da UNITA opera apenas em pequena escala. Esse tempo é para as SADF. Tudo bem coordenado.

Os ciclos da agressão 
As invasões sul-africanas a Angola fizeram-se por ciclos de dois anos. A Operação “Askari”, em Agosto de 1983, sucede à “Protea”, em Agosto de 1981.
 
Em Fevereiro de 1984, Angola e África do Sul assinam, em Lusaka, um acordo para a retirada das tropas sul-africanas do Sul de Angola. A retirada ocorre em Abril de 1985. Mas já em Maio uma patrulha das forças armadas angolanas surpreende uma unidade das SADF, na província de Cabinda, que tem por missão destruir as instalações de petróleo de Malongo. O objectivo é atribuir a acção à UNITA. O comando sul-africano leva planfletos dos rebeldes.

Nessa ocasião o capitão Petrus du Toit é capturado e dois membros das SADF, Louis Pieter van Breda e Rowland Ridgard Liebenberg, mortos. Os EUA condenam o acto de Pretória por pôr em risco a vida do pessoal  norte-americano que trabalhava na base de Malongo e prejudicar os planos para a paz na região.

Em Setembro de 1985 está marcada para Luanda a Conferência Ministerial do Movimento dos Países Não Alinhados.  O regime de apartheid e a UNITA de  Savimbi tudo fazem para sabotar a conferência. A reunião é um sucesso e, em Nova Iorque, o Conselho de Segurança aprova duas resoluções. Exige a todos os membros da ONU que alarguem a ajuda a Angola e à  “Linha da Frente” e apela ao pagamento, por Pretória, de uma compensação a Angola pelos “danos causados à vida e à propriedade”. Nunca foi paga.

O fim da aventura

O mês de Agosto de 1987 abre o último ciclo da aventura militar da RSA  em Angola. 
O livro “War in Angola – The Final South Africa Phase”, de Helmoed-Roemer Heitman, versão inglesa (Ashanti Publishing Limited, Gibraltar, primeira edição, 1990), que agora nos chega às mãos, descreve esse ciclo final do regime de apartheid, que, reconhece o autor, “mudou irrevogavelmente a situação estratégica” na África Austral.
 
O autor fez serviço militar nas SADF, na Província Ocidental da África do Sul e no Sudoeste Africano (hoje Namíbia). Antes de lançar o livro, dedicava-se a escrever artigos para jornais britânicos, norte-americanos, alemães, austríacos, australianos e sul-africanos. A sua especialidade são os assuntos militares.
 
A obra de Heitman é um relato minucioso dos combates que se travam, primeiro, à volta de Mavinga, entre quatro Brigadas das FAPLA e unidades de guerra da África do Sul, e depois,  a Batalha do Cuito Cuanavale, decidida no Triângulo do Tumpo, a 23 de Março de 1988, que transformou, em definitivo, a face da África Austral. 

A ofensiva sobre Mavinga
Desde Julho de 1985 as forças armadas angolanas, FAPLA, cumprindo o seu dever constitucional, lançam ofensivas para desalojar a UNITA das bases instaladas em Mavinga. 
As SADF sabem que as forças militares da UNITA, as FALA, são incapazes sozinhas de enfrentar as FAPLA. E durante o mês de Agosto lançam a “Operação Moduler”.
Para travar o avanço do Exército angolano, a artilharia sul-africana de longo alcance, com canhões G-5, capazes de atingir  40 quilómetros, é posicionada a sul do rio Lomba. 

A primeira baixa sul-africana

O autor do livro descreve a movimentação no terreno e a batalha que se seguiu. 
No dia 4 de Agosto de 1987, o  Batalhão “Búfalo” (32º), sai da sua base no Rundu em direcção a uma área a noroeste de Mavinga, levando uma secção de engenharia do 25º Esquadrão de Campanha, duas equipas móveis de operações aéreas (MAOT), oficiais de observação de Artilharia e Equipas dos Serviços de Saúde, refere Heitman no livro. Passados quatro dias, à noite,  o 32º Batalhão, comandado pelo coronel Joke Harris, alcança o sudeste de Mavinga.  Nesse dia, os sul-africanos sofrem a primeira baixa. O chefe dos MAOT, comandante Van Den Berg, fractura as costelas, depois de cair do blindado “Buffel”. Este tipo de veículo destina-se à protecção contra minas, mas os sul-africanos atribuem a queda de Van Den Berg a “um solavanco”, quando o blindado “seguia por terreno acidentado”. Na verdade, o “Buffel” detonou uma mina.

As operações prosseguem. Pela manhã do dia 11 de Agosto, as forças sul-africanas chegam à antiga base logística da UNITA, a sul da nascente do rio Lomba, e aguardam, no local, pela aproximação das FAPLA. Nesse momento, as FAPLA, diz Heitman, ainda estão empenhadas no posicionamento operacional, mas a 47ª Brigada e a 59ª  (FAPLA) já conduzem operações na área entre os rios Chambinga e Vimpulo, abrindo caminho para Mavinga. Ao mesmo tempo, a 16ª e 21ª Brigadas (FAPLA) desdobram-se para 20 quilómetros a oeste da nascente do rio Cunzumbia, nas áreas do rio Mianei e na nascente do Cunzumbia. Nesta zona, indica Heitman, o “oficial de ligação” da UNITA com os sul-africanos é o general Chilingutila.
  
Os primeiros combates
Os primeiros disparos de artilharia sul-africanos da “Operação Moduler” dão-se a 13 de Agosto. Realizados por uma bateria de morteiro de 120 milímetros, colocada em Samunguri, a nordeste da nascente do Mianei, os bombardeamentos são dirigidos contra as unidades da 47ª e 57ª Brigadas angolanas. Sem sofrer baixas, as unidades das FAPLA abrigam-se dos tiros de artilharia.
 
As FAPLA têm uma “nova técnica blindada angolana” que dificulta o reconhecimento sul-africano. Segundo Heitman, “as FAPLA passaram a usar novas tácticas para resguardarem os tanques do fogo inimigo, colocando-os no centro de um dispositivo protector constituído pela infantaria que mais rapidamente se desenvencilha das emboscadas em terreno fechado, deixando que, depois, os tanques passem ao contra-ataque para desbaratarem as unidades da UNITA emboscadas ou em posição de ataque, com o apoio dos sul-africanos. Esta modalidade das FAPLA foi eficaz” face  às equipas “caça-tanques” dos sul-africanos que, frustradas, se retiram para o sul do rio Mianei.

No mesmo dia, uma patrulha motorizada sul-africana é perseguida por um tanque das FAPLA, ao longo de 800 metros, sendo empurrada para campo aberto, de onde é avistada pelos “Mig” da FAPA/DAA, que levam os sul-africanos a esconder-se num bosque, perto da nascente do rio Mianei, onde passam o resto do dia.

Heitman refere que na noite de 14 de Agosto, no posto de comando avançado, o coronel Harris e o general Chilingutila fazem a avaliação inicial da acção sul-africana de “protecção” à UNITA “perante a iminência do ataque do Exército Angolano para tomar Mavinga”. Chegam à conclusão que as unidades das FAPLA têm grande capacidade de movimentação e elevado potencial para ocuparem as bases rebeldes. Harris e Chilingutila  decidem, por isso, pedir a mobilização do 61º Regimento Mecanizado da RSA e a utilização dos “Ratel” do Batalhão “Búfalo”, para se evitar a queda de Mavinga.
O receio nas SADF e nas forças da UNITA é justificado, diz Heitman, porque a 16ª Brigada das FAPLA já está tão perto do Posto de Comando Avançado que o general Chilingutila e os convidados sul-africanos “podem, à noite, ouvir os homens das FAPLA a conversar e cantar”. 

Avanço em duas direcções
O agrupamento das FAPLA inicia então o movimento ofensivo, a partir de Chambinga, leste do Cuito Cuanavale. O avanço faz-se em duas direcções: o 1° Grupo Táctico do 1º Agrupamento avança na direcção de Chambinga até à nascente do rio Cunzumbia e o 2º Grupo Táctico do 2º Agrupamento desloca-se a partir da nascente do Hube, atravessando os rios Vimpulu e Mianei, até à nascente do rio Cuzizi, seguindo pela margem sul até ao rio Lomba.
 
A 47ª Brigada e o 2° Grupo Táctico devem flectir para oeste e sul, contornando a nascente do rio Lomba, com a missão de assegurarem a travessia da 21ª e 59ª Brigadas. Esta última está encarregada de garantir o abastecimento logístico às unidades em avanço.

A 16 de Agosto, quando está em curso o ataque da 5ª Equipa de Reconhecimento sul-africana, o chefe do Exército e o chefe do Estado-Maior para as Operações das SADF, em Rundu,“põem-se de acordo que a força originalmente autorizada é muito pequena para o confronto esperado e autorizam o envio da bateria de G-5 e dos Ratel-90 do Batalhão 32.
O invasor está atrapalhado e quer controlar o curso dos acontecimentos.
 
O primeiro sinal de um novo ataque das FAPLA aparece quando os “Mig” da FAPA/DAA sobrevoam, a 17 de Agosto, o posto de comando do general Chilingutila e do coronel Harris. O comando é colocados dentro do alcance da artilharia das duas brigadas angolanas, e ambos são obrigados a fugir e deslocar o posto de comando para o Ingue.

A 19 de Agosto, os lança-mísseis múltiplos sul-africanaos “Walkyrie” fazem as primeiras descargas de artilharia sobre a 47ª e 59ª Brigadas angolanas. As duas unidades param, por algum tempo, nas matas de Catato, perto da nascente do Cunzizi. Durante oito dias, os sul-africanos fustigam as duas brigadas. Um grupo de reconhecimento sul-africano destrói também a ponte sobre o rio Cuito. A ponte não cai totalmente, mas fica intransitável, até ser reparada pelas FAPLA. A destruição da ponte é um momento importante da batalha de Mavinga e das que se vão seguir no Cuito Cuanavale.

Altas figuras reunidas
No quartel-general do Rundu, a 28 de 29 de Agosto, reúnem-se o general Geldenhuys, chefe das Forças Armadas da África do Sul, o general Andreas Liebenberg, chefe do Exército, e o general Earp, chefe da Força Aérea. Os generais sul-africanos mandam empregar o 61º Batalhão Mecanizado e de duas companhias de infantaria do 101º Batalhão.
 
No período da tarde, Geldenhuys encontra-se com Savimbi, “para o actualizar” sobre os acontecimentos, relata Heitman. Geldenhuys destaca a necessidade de Savimbi utilizar os mísseis “Stinger”, fornecidos pelos EUA à UNITA, e afirma que eles “são úteis para proteger os canhões G-5 sul-africanos”. Geldenhuys convence Savimbi a usar os “Stinger”. Ben-Ben, na altura, gaba-se da alcunha dos mísseis: “Um Cubano num Caixão”.

O avanço rápido das FAPLA – em particular o da 21ª Brigada – apanha de surpresa os sul-africanos. Na entrevista para o livro de Heitman, o coronel Jock Harris comenta a atrapalhação: “Tudo tornou-se muito rápido e violento, a tal ponto que eu pensei que, pessoalmente, nós estávamos a começar a entrar em pânico. Ninguém estava à espera que a 47ª Brigada (FAPLA) descesse tão rapidamente, e estávamos a espera que a UNITA fizesse alguma coisa”.
 
Para os sul-africanos, “eram agora evidentes as intenções das FAPLA”: o movimento da 47ª Brigada para leste, ao longo da margem sul do rio Lomba, para cobrir a travessia das 59ª e 21ª Brigadas, enquanto a 16ª continuaria o seu avanço para ameaçar Mavinga pelo Norte.
 
Os sul-africanos estavam realmente preocupados. Segundo Harris, “se a 47ª Brigada das FAPLA se juntasse à 59ª naquela etapa inicial e criasse a ‘cabeça-da-ponte’ para a 21ª Brigada, ficaríamos com um problema nas mãos”. Não haveria possibilidade de evitar a queda de Mavinga.

Ocupação da base logística

Chega Setembro de 1987, o segundo dos 12 meses das batalhas militares e diplomáticas que transformaram África. O Exército sul-africano chega ao reabastecimento do Luengue. Aí os sul-africanos encontram um dos primeiros problemas logísticos que  complicam a sua campanha. Um incêndio florestal destrói o armazém de combustível diesel, forçando a 61ª Companhia Mecanizada a usar as reservas para continuar o movimento.

A 2 de Setembro, a 20ª Brigada sul-africana – que não é mais do que o Batalhão “Búfalo” reciclado – é posta em marcha. O comandante da “nova” unidade é o coronel Deon Ferreira, já antes comandante do 32º Batalhão. O seu oficial de Operações é o coronel Harris, também já conhecido. A mudança operada é demonstrativa de que algo corre mal do lado sul-africano.

Mais baixas sul-africanas registam-se quando um míssil anti-aéreo “SA-8”, da 21ª Brigada das FAPLA, abate, a 3 de Setembro, o avião ligeiro de observação “Bosbok” da Força Aérea Sul-Africana (SAAF). Morrem o piloto, tenente Glynn, e o chefe de tiro de artilharia, Johan du Randt.

A 6 de Setembro, dá-se o primeiro confronto directo entre forças terrestres sul-africanas e angolanas. O choque ocorre, de forma casual, entre um grupo de exploração da 20ª Brigada sul-africana e unidades da 47ª Brigada angolana. É de curta duração e sem “consequências de maior”.

Travessia do Lomba
Quem reporta aos sul-africanos que a infantaria das FAPLA está a atravessar o Lomba são militares da UNITA. Rapidamente, o comando sul-africano despacha uma das duas companhias do 101º Batalhão de Infantaria Motorizada, com 14 “Casspir APC”, e a tropa anti-tanque “Ratel-90” , para oeste, para fustigar as forças que atravessam o rio.

Uma das sub-unidades da 21ª Brigada angolana atravessa o rio Lomba, mas por um local diferente do esperado pela 20ª Brigada sul-africana, que repele, ainda assim, a tempo o ataque.
 
A 13 e 14 de Setembro, a 21ª Brigada angolana, que tinha ocupado a posição na margem Norte do Lomba, combate contra unidades inimigas, ao mesmo tempo que uma das sub-unidades da 47ª Brigada angolana avança pela margem sul do rio em direcção a Mavinga. 
Este movimento é observado, a Oeste, pelo 5º Grupo de Reconhecimento da RSA, que faz o trabalho de correcção de tiro durante um  ataque aéreo contra a 47ª Brigada FAPLA, a 11 de Setembro. Face à dimensão da investida, os sul-africanos são obrigados a recorrer a duas Companhias do 101º Batalhão de Tropas Territoriais do Sudoeste Africano, às sub-unidades blindadas do Batalhão “Búfalo”, aos grupos de artilharia de “Sierra” e “Quebec” e ao apoio aéreo de aviões “Impala Mk II”, a partir do Rundu. Mas quando pensavam que tinham neutralizado a 47ª Brigada, a 13 de Setembro esta heróica unidade angolana reage, ocupa e entrincheira-se na antiga base logística da UNITA. Um sucesso notável face aos duros ataques a que foi sujeita pelas tropas blindadas, artilharia e aviação da RSA.
 
Ao descobrir onde estava a 47ª Brigada angolana, o comandante Hartslief “percebeu que teria de enfrentar uma tarefa mais difícil do que esperava. Era ponto assente que as FAPLA, tal como suspeitava, estavam alojadas no interior da antiga base logística da UNITA. Isto constituía um sério problema para as forças mecanizadas em veículos sobre rodas. A base tinha profundas  trincheiras entrecruzadas, algumas mais fundas do que a altura dos Ratel”, descreve Heitman.

Depois de ter conseguido romper duas linhas da 47ª Brigada, o comando da força sul-africana vê-se agora envolvido pela infantaria das FAPLA. “O Ratel-90 teve alguma dificuldade em se movimentar directamente para o objectivo e dois deles ficaram presos em algumas trincheiras. Um terceiro tentou ultrapassá-las com um salto, quando um número de tanques (das FAPLA) surgiu à sua frente. O comandante da tropa, o tenente Alvis, foi alvejado no pescoço, no tanque em que seguia, por um atirador (das FAPLA) e morreu. O sargento da tropa atacante apareceu em linha, mas o seu Ratel ficou preso numa das trincheiras profundas, e as comunicações foram cortadas novamente quando o Ratel de comunicações foi abandonado. Toda a tropa estava agora imobilizada perante o comportamento extremamente agressivo dos tanques (das FAPLA)”, relata Heitman.

Heitman conta como foi. “O comando do grupo ficou assustado ao ver um “Casspir” regressar à pressa, na sua direcção, à velocidade de 40 quilómetros por hora, com a antena solta, alguém pendurado na torre do veículo, que ia lançando granadas de todas as cores. Vendo isso, alguém comentou: ‘Right out of Apocalypse Now’ (Justamente como no filme “Apocalypse Now).” A 14 de Setembro, os sul-africanos tentam novamente desalojar a 47ª Brigada angolana da antiga base logística da UNITA e lançam novo grupo de ataque, chefiado pelo major Dawid Lotter, apoiado por sub-unidades da UNITA. Apesar de todos os esforços de Lotter, “as FAPLA estavam a combater a partir das posições de um terreno conhecido, enquanto que Lotter e os seus homens foram forçados a trilhar o seu caminho no escuro, através de uma área cruzada de trincheiras que poderiam ser fatais a qualquer Ratel, como ficou provado à tarde. A artilharia (das FAPLA) entrou em cena, disparando contra as forças de Lotter, a partir das posições a norte do Lomba. Pelo menos um ‘BM-21’ (das FAPLA) começou a fustigar (os sul-africanos) com fogo directo”.

Lotter retira então as suas forças da área e as FAPLA, a 14 de Setembro, param também de disparar sobre as tropas sul-africanas.  “Isto deu a Lotter a oportunidade que precisava para reagrupar e desengajar a sua força”, diz Heitman. Nos dias seguintes, a força de combate sul-africana que se batia sem êxito para desalojar a 47ª Brigada angolana, recebe ordens para parar e recuperar a técnica deixada no campo de batalha.
 
Em resultado do esforço exigido pelos combates, as unidades das FAPLA ficaram separadas. A 47ª ficou posicionada a sul da confluência dos rios Lomba e Cuzizi, a 59ª  a norte, entre o Lomba e o Cunzumbia, a 21ª a leste, entre o Lomba e o Cunzumbia e a 16ª na nascente do Cunzumbia, muito a Norte.
 
Depois de destroçar o Grupo de Combate “Charlie” de Dawid Lotter,  e mesmo isolada, a 47ª Brigada angolana continuava a ocupar a antiga base logística da UNITA. Passou a ser o principal alvo dos sul-africanos, que fustigam a 47ª Brigada angolana, para evitar que outras unidades venham em auxílio. Mas a brigada continuou a resistir.

Nesse mesmo dia, em Mavinga, o general Johannes Geldenhuys, o chefe do Estado-Maior da Inteligência das Forças Territoriais do Sudoeste Africano (Namíbia), general Meyer, e os coronéis Ferreira e Harris, reúne-se com Savimbi, o general Chilingutila, Ben-Ben e Bok. Novamente a coordenação das acções para o futuro.

É decidido lançar os primeiros aviões pilotados remotamente (RPV, hoje “drones”). O primeiro, a 20 de Setembro, é forçado a regressar por causa das más condições meteorológicas. O segundo RPV, no dia seguinte, sobrevoa as posições das 16ª e 21ª Brigadas das FAPLA, mas é derrubado por um “SA-8”, quando tenta passa pela 47ª Brigada.

O desprezo do aliado
O livro de Heitman está cheio de referências desonrosas para a UNITA. A sua capacidade para o combate é posta em causa. Heitman afirma que as acções da UNITA no terreno “não são relevantes para as mais importantes lições” das batalhas realizadas. Noutra passagem, diz que o capitão Mickey, oficial de ligação da UNITA no local do “Apocalipse Now”, estava “deitado confortavelmente” na camuflagem de um Ratel, e apenas se mexeu para disparar sobre um FAPLA que estava a três metros de si.
 
O Posto de Comando sul-africano, diz o autor, achava que os batalhões da UNITA “tinham que ser capazes de fazer melhor”.

Na noite de 22 de Setembro, Savimbi fala com o coronel Deon Ferreira (Batalhão Búfalo) e defende que as FAPLA vão tentar manter-se nas actuais posições até Dezembro e retomar a ofensiva nessa altura.

Na noite de 28 para 29 de Setembro, altas figuras do regime do apartheid vão ao Posto de Comando da 20ª Brigada sul-africana. Entre eles está o próprio Presidente da República da África do Sul, P.W. Botha.
 
Aí, segundo Heitman, acaba a primeira fase da Operação “Moduler”. O Presidente da RSA adopta uma posição mais agressiva, dando ordens para serem destruídas as Brigadas das FAPLA a leste do rio Cuito, “antes da chegada da época chuvosa”. Percebe-se, novamente, o motivo.  Botha “deixou claro que o golpe devia ser tão demolidor que as FAPLA não voltassem a estar prontas para uma nova ofensiva em 1988”, diz o livro.

As batalhas continuam
A ofensiva das FAPLA foi travada próximo de Mavinga, mas não havia a certeza que tivessem desistido da missão. A leste do Cuito, as FAPLA ainda tinham um forte dispositivo. Uma ofensiva renovada podia acontecer a qualquer altura.
  
Assim termina a primeira das três fases da Operação “Moduler”, uma das três operações militares da África do Sul, no Cuando Cubango, que vão culminar com a Batalha do Cuito Cuanavale, no Triângulo do Tumpo, que ficou conhecida como a segunda maior batalha na História de África.
 
Até ser assinado o Protocolo de Brazzaville e os Acordos de Paz de Nova Iorque, a 22 de Dezembro de 1988, as forças armadas angolanas voltaram a combater pelo país, nas duas fases seguintes da “Moduler” e nas Operações “Hooper” e “Packer”, até Março de 1988. E acabaram por vencer a guerra.

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