quarta-feira, 26 de junho de 2013

Equador/NOSSO HOMEM EM QUITO



24 junho 2013, Instituto João Goulart http://www.institutojoaogoulart.org.br (Brasil)


HONG KONG. Então, será Nosso Homem em Quito. A narrativa pode não ter a elegância das de Graham Greene, mas o enredo bate, sem dúvida, o da trilogia Bourne – porque está acontecendo ao vivo, em tempo real, bem aí à frente dos nossos olhos.

Só um ex-agente da CIA para bater a “inteligência” dos EUA – melhor dizendo, a carência de inteligência. A história da fuga de Edward Snowden, de Hong Kong, é coisa para estudar e aprender. No domingo, num restaurante de Hong Kong,[1] fui alertado por uma fonte: “Prepare-se para coisa grande; ele sairá a qualquer momento.” Em Hong Kong, eram 12h30, horário local. Na verdade, Snowden já decolara do aeroporto Chek Lap Kok, no voo SU 213, destino Moscou, às 11h. Mas ninguém sabia. Hong Kong ainda digeria a primeira página do South China Morning Post, que exibia provas ainda mais devastadoras da ciberespionagem dos EUA contra a China.

Às 14h, houve o primeiro alerta no South China Morning Post: ele estava num avião, rumo a Moscou. Telefonei à rede Russia Today em Moscou: não sabiam; e puseram-se em campo.
Na empresa-imprensa ocidental persistia o mais ensurdecedor silêncio. Até que, afinal, o Postnoticiou, com algum detalhe. Mas demorou eras, antes de a Agência Reuters, afinal, distribuir um despacho curto (como comentei em minha página no Facebook). Quando a ‘comunidade internacional’ começou a receber notícias de Snowden, ele já voava há cinco horas.

Asia Times Online também foi informado por fonte muito próxima de Snowden, que uma rápida parada em Hong Kong sempre foi parte do Plano A: ele jamais cogitou pedir asilo político nem a Hong Kong nem à China. Sempre esteve focado em “um terceiro país”. Mas Snowden usou Hong Kong como plataforma ideal para revelar ao mundo como operam os intestinos do estado-de-vigilância-orwelliano/Panopticon-EUA.

Primeiro, um bloco de revelações genéricas, para o Guardian. Em seguida, mergulhou na clandestinidade para preparar a fuga – porque sabia que Washington partiria contra ele com unhas e dentes (e drones?). E então, um outro conjunto de revelações, ao jornal South China Morning Post, focadas em Ásia e China. Quando Washington acordou, Snowden já deixara o prédio. Jason Bourne, pode sapatear de raiva.

Não se trata de “deixamos Snowden escapar”. Tudo foi cronometrado meticulosamente, em operação que envolveu Snowden e o governo de Hong Kong, com mediação de WikiLeaks.

A declaração do governo de Hong Kong foi distribuída às 16h05[2] (vale repetir: Snowden já estava viajando há cinco horas). Ali se lia que “[O Sr. Edward Snowden] deixou Hong Kong hoje, por decisão pessoal, por um terceiro país, por via legal e normal”, porque o governo não recebera “informação legal suficiente para considerar o pedido dos EUA”, que pedia a prisão preventiva de Snowden.

Quer dizer: o governo dos EUA supôs que poderia simplesmente intimar o governo de Hong Kong: faça o que mandamos, ou saia da frente... e justo no dia em que os crimes de hacking serial dos EUA contra Hong Kong e China eram manchete nos jornais! Snowden já estava viajando há cinco horas rumo a Moscou, e a imprensa-empresa norte-americana ainda papagaiava a narrativa oficial –repetindo, como o Conselheiro de Segurança Nacional de Obama, que Snowden esta(ria) com a corda no pescoço.

Se Pequim teve ou não ação indireta sobre a decisão do governo de Hong Kong é questão aberta a um Mar do Sul da China de especulações. Fato é que a solução foi perfeita para Hong Kong – que passaria a enfrentar pressão total dos EUA para extraditá-lo –, mas também para Pequim, que continua a mandar no jogo e furiosamente exige explicações sobre as ações da Agência de Segurança Nacional dos EUA a espionar as empresas chinesas de telefonia, a rede Ásia-Pacífico de fibra ótica[3] e até a Universidade Tsinghua [4] de Pequim.

Resta a questão do passaporte norte-americano de Snowden, revogado no sábado. Dependendo de quando, exatamente, Hong Kong foi oficialmente notificada, é possível que tenha havido uma estreita faixa de tempo, e ele tenha conseguido apresentar passaporte válido no balcão de check-in da Aeroflot no centro de Hong Kong, digamos, às 9h da manhã do domingo, antes dos 20 minutos de trânsito até o aeroporto Chek Lap Kok.

É possível também que WikiLeaks tenha providenciado algum outro tipo legal de arranjo. Ou o consulado russo em Hong Kong, que permanece perfeitamente calado.

É complô dos comunistas!
A previsível fúria no Capitólio, cheia de retórica contra “nações hostis”combinada à inevitável demonização do presidente Vladimir Putin da Rússia, para nem falar do espião-chefe, general Keith Alexander da Agência de Segurança Nacional, além das platitudes de sempre sobre “defender essa nação contra um ataque terrorista”, apresentando Snowden como “um indivíduo que, na minha opinião, não agiu movido por propósito nobre” –, tudo soa como romance de espionagem barato. O Império não gosta de tomar um direto no olho.

Para Washington, só resta esperar que Moscou prenda Snowden. Bobagem. O ministro Sergey Lavrov da Rússia até já disse que a Rússia, sim, consideraria a possibilidade de dar asilo político a Snowden, se lhe for pedido. E a frase de Dmitry Peskov, porta-voz de Putin: “Não sei de nada”?! Isso não tem preço.

A rede Xinhua, por sua vez, como era de prever, deitou e rolou:“Washington deve, antes, explicar as gravações. Os EUA, que há muito tempo tenta fazer-se de vítima inocente de cibercriminosos, aparece agora como o maior vilão de nossa era.”

Agora se joga a etapa final da “Aventura Snowden” – depois que deixar a cápsula-hotel que lhe coube no terminal E do aeroporto Sheremetyevo (the Four Seasons it ain't) e embarcar rumo ao asilo político no Equador, via Havana. E com WikiLeaks tuitando alegremente os momentos-chave da saga, como na declaração oficial: “Snowden segue rumo à República do Equador, por rota segura, em busca de asilo. Viaja com escolta de diplomatas e dos advogados de WikiLeaks.”

A decisão de Hong Kong “desapontou” o Departamento de Justiça dos EUA e, como Russia Today noticia,[5]os EUA já estão pedindo gentilmente que os países latino-americanos detenham Snowden. Na mesma linha cordial, todos os países do mundo devem “pedir gentilmente” que Washington ponha fim ao seu Império Mundial de Bases Militares.

Em meio ao excitamento provocado pelo ‘caso Snowden’, que não se perca o foco. O aspecto mais crucial da história é Obama e o Espião Supremo, Keith Alexander, jurando que o complexo militar/segurança, orwelliano privatizado, seria essencial para evitar ações terroristas. Mentira monumental. Obama deixou-se ver como mentiroso-em-chefe e cúmplice.

O ex-embaixador Joe Wilson e sua esposa Valerie Plame Wilson – demitidos pela gangue de Dick Cheney – não perderam o foco nem deixaram passar a oportunidade, em coluna muito oportuna, que Guardian.[6]

Assim sendo, rumo a Quito. O perigo existe e ronda de todos os lados. Mas, chegado a Quito, o ponto, o set, o jogo estará ganho – como já disse nessa entrevista. [7] A HBO que trate de começar a selecionar as estrelas do filme, e rápido. Com Ryan Gosling no papel principal. Edwar Snowden, claro, escreverá o roteiro.

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