quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Honduras/"GOLPE LEVOU AO POVO CONSCIÊNCIA DA LUTA DE CLASSE"

19 agosto 2009/Vermelho http://www.vermelho.org.br

O golpe militar articulado pelas oligarquias nacionais hondurenhas fez com que o povo hondurenho se conscientizasse da luta de classes que existe em seu país. Este é o ponto de vista do líder da resistência pacífica ao golpe em Honduras, Gilberto Rios, que desde o início da investida militar tem articulado manifestações pacíficas em todo o país e, em visita ao Brasil nesta semana, concedeu entrevista exclusiva sobre o golpe.

Apesar de o presidente deposto Manuel Zelaya ter chegado a incitar o povo hondurenho a pegar nas armas para derrubar o governo militar, a resistência popular no país tem sido pacífica. Todos os dias, multidões saem de suas casas e unem-se nas ruas para manifestar contra o golpe, num movimento que, de acordo com Rios, não para de crescer. “Hoje geralmente tem 100 mil pessoas na rua, às vezes chega a meio milhão”, conta.

A mobilização, segundo Rios, não aumentou somente quantitativamente, mas também qualitativamente. “Antes da consulta (que foi o argumento dos militares para derrubar Zelaya), falava-se em aprofundar a democracia. Agora, fala-se em um governo sem oligarcas, fala-se da luta de classes”, aponta o militante. Brincando, ele diz que o golpe “ajudou a mobilização” do povo hondurenho.

Confira a íntegra da entrevista de Gilberto Ríos à Revista Fórum:.

Depois de quase dois meses do golpe em Honduras, como está a resistência do povo? Quais são os grupos sociais envolvidos?
Depois de 52 dias, quase dois meses de resistência, temos mais pessoas nas ruas, indo contra as previsões de que iria diminuir. Os trabalhadores principalmente, mas há muitos estudantes e também professores universitários, do primário e secundário, que se incorporaram ao movimento das ruas.

Mas, em nível nacional, é bastante diversa e ampla a participação que há. Na zona ocidental, por exemplo, há muita participação indígena. Na região onde o presidente estava há muitos aldeões, aos quais também se juntaram desempregados e pessoas que trabalhavam diretamente com o presidente.

Há o partido liberal, toda a esquerda está nas ruas, todos os movimentos sociais suspenderam seus trabalhos e agora estão dedicados somente ao protesto contra o golpe. Ao contrário do que esperávamos, o povo respondeu muito mais e cada vez vemos mais pessoas na luta. Hoje, geralmente um protesto tem 400 mil pessoas na rua, às vezes chega a meio milhão.

Como estão as condições do povo, agora depois do golpe?
No momento, não faltam suprimentos de alimentação, nem há nenhum problema com os serviços básicos. O que existe é uma forte censura de todos os meios de comunicação. Só se transmite a voz do Estado. É mais provável que os estrangeiros entendam mais do que está acontecendo em Honduras do que os próprios hondurenhos.

A manifestação midiática está alegre com a morte de civis, como no franquismo. A origem do golpe no fascismo é evidente. Na década de 1940, (Roberto) Micheletti foi à Itália para se juntar numa coluna de Mussolini. Mas hoje a população não está em condições mais precárias do que as que já vivia: pessoas com fome, que não têm sapatos e caminham todo dia nas ruas. Nós estamos buscando estratégias para hidratar as pessoas, para nutri-las melhor e vitaminar a luta.

A embaixada dos EUA já afirmou que pode ofertar armas à população caso ela queira se envolver no conflito armado. Por que a resistência se mantém pela via pacífica?
Para a indústria estadunidense não lhe serve a resistência pacífica. Só lhe interessa se houver demanda de armas e que haja conflito armado, porque isso contribuiria com a economia do país, que ultimamente não anda muito bem. Além do que, é uma boa retaguarda para a ofensiva que os Estados Unidos planejam contra a Venezuela. Para se ter uma idéia, Honduras corresponde a 0,3% da economia dos Estados Unidos, e eles representam para nós 80% de nossas exportações. Como se diz, o país que compra, manda, e o país que vende, serve.

Você acredita então que os Estados Unidos já sabiam do golpe e participaram dele?
Claro. Até a ultra-direita norte-americana disse que quem apoia e está se encarregando do golpe é a CIA. Precisamos lembrar que ainda enfrentamos uma escalada militar no Oriente Médio, que a própria população norte-americana não aprova.

Então se precisava de um novo espetáculo militar. Os Estados Unidos precisam de uma guerra em Honduras para intervir militarmente. Por isso continuamos mantendo a resistência pacífica. Em algum momento teremos que usar armas, mas em um momento específico.

Qual é sua avaliação do governo Zelaya? Havia uma caminhada em direção ao socialismo? Agora a alternativa é somente socialista?
Havia um processo de reforma capitalista importante, porque em Honduras a oligarquia tinha muito controle da economia e uma dominação tremendamente ideológica sobre a população. A oligarquia hondurenha concentra 90% da renda em torno de dez famílias. Houve três vias pelas quais se deu a acumulação de capital da oligarquia hondurenha: a primeira foi pelo roubo direto do Estado; a segunda foi pela superexploração; e a terceira foi pelo narcotráfico.

Antes da consulta, se falava em aprofundar a democracia. Agora, fala-se em um governo sem oligarcas, fala-se da luta de classes. Antes, as pessoas acreditavam na democracia, e o golpe introduziu nas pessoas a consciência de classe.

Então a consciência política do povo aumentou com a mobilização pós-golpe?
Sim. Pode-se dizer que, em porcentagem, as pessoas que participavam da resistência ao golpe e manifestavam-se nas ruas era muito baixo. Agora, a maioria das pessoas tem participado do debate político e está a favor das forças sociais mais importantes. Pode-se dizer que o golpe, do ponto de vista da esquerda, contribuiu enormemente para a incorporação de pessoas à luta.

Como está a ajuda internacional para o país? A maioria apoia o golpe ou a resistência?
Há dois tipos de ajuda internacional: a oficial, através do governo, que agora está paralisado porque nenhum governo do mundo reconhece o governo de Micheletti; e o apoio internacional à resistência. Basicamente o apoio à resistência é moral, e isso anima muito os hondurenhos a continuar nas ruas porque entendem que a luta exemplifica o que deve ser a luta popular contra ações como a que foi tomada pela oligarquia.

Houve participação da Igreja no golpe?
Toda a Igreja Católica apoiou o golpe e a igreja evangélica também. São da igreja evangélica os mais ligados à classe dominante. O representante máximo da Manuel Zelaya, o Cárdena, só ele tem uma fortuna de US$ 40 milhões. Ele é “a” oligarquia de Honduras.

Fonte: Revista Fórum

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