quarta-feira, 29 de julho de 2009

DECLARAÇÃO DA CÚPULA DOS POVOS DO SUL

27 julio 2009/[ADITAL] Agência de Informação Frei Tito para a América Latina http://www.adital.com.br

Tradução: ADITAL

"Protagonismo popular, construindo soberania"

Nós, organizações sociais e políticas de diferentes países e continentes, e povos originários, nos reunimos na cidade de Assunção, nos dias 23 e 24 de julho de 2009, na Cúpula dos Povos do Sul "Protagonismo popular, construindo soberania", para debater a conjuntura atual da crise do sistema capitalista e as possíveis saídas.
Os poderes estatais, financeiros e midiáticos nos dizem que a crise que atravessamos é uma crise financeira que pode ser resolvida com a injeção de fundos ao FMI (Fundo Monetário Internacional) e ao BM (Banco Mundial). Nunca na história do capitalismo havia sido outorgada tal quantidade de dinheiro para a ‘salvataje’ das empresas privadas. Assim, se beneficiam uns poucos que -não casualmente- são os que causaram a crise. O objetivo da ‘salvataje’ é, portanto, que o cassino financeiro continue funcionando, enquanto milhões de pessoas permanecem na indigência.
Ao mesmo tempo, propalam a ideia de que estamos atravessando uma crise alimentar, dizendo esta se deve ao fato de que países como a Índia e a China estão aumentando seu consumo diário de alimentos. Porém, esses argumentos não mostram que existe um novo padrão de produção baseado em biotecnologias de ponta que provocam a destruição da agricultura familiar camponesa e dos costumes camponeses e indígenas.
Esse modelo produtivo é baseado na agricultura mecanizada, extensiva e intensiva, com o uso massivo de transgênicos e agrotóxicos diretamente sobre o meio ambiente, destruindo e afetando fortemente o clima do planeta. É por isso que o segundo maior aquífero do mundo, o Aquífero Guarani, está em grave perigo de contaminação devido à implementação desse modelo extrativo de desenvolvimento que está situado justamente nas zonas de recarga de dito aquífero.
Isso vem juntamente com a ideia de que estamos vivendo uma crise energética, o que coincidiu com uma campanha mundial impulsionada por países como Estados Unidos e Brasil, onde se propõe a necessidade de aumentar a escala do monocultivo de soja, milho e cana de açúcar para a produção de etanol e biocombustíveis.
Diante disso, nossa conclusão é que se trata de uma crise integral do capitalismo, que não é momentânea e que não será solucionada com a injeção massiva de capitais. Essa crise integral coloca a nu o modelo de desenvolvimento imperante. A resposta a essa crise integral deve ser também integral. Deve-se transformar o modelo de desenvolvimento para sair da crise. Isso quer dizer que temos que construir um projeto próprio desde os povos da América Latina.
Por isso, hoje estamos em processo de construção e reivindicação da soberania alimentar desde e para os povos. Cremos na necessidade de uma produção autônoma, autogestionada e comunitária, bem como na distribuição popular e igualitária. Defendemos o direito a alimentar-nos de maneira saudável e por isso resistimos na defesa das sementes e da produção agroecológica. É imprescindível resgatar a memória e o patrimônio para o saber identitário, desde a pluriculturalidade e desde a centralidade do território como base da identidade cultural. Exigimos também o desenho de políticas públicas que garantam a soberania alimentar.
Cremos que no processo de devastação de nossos recursos continentais, os povos originários são os principais atingidos. Nesse sentido, exigimos políticas claras que levem à autodeterminação e à soberania dos povos originários. Uma dessas políticas é a geração de espaços nacionais de negociação coletiva no marco do Convênio 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), bem como a conformação de Paritárias Sociais, por comunidade.
Reivindicamos a necessidade de construção de uma soberania energética onde os povos possamos dispor livremente de nossas fontes de energia, bem como buscarmos os modos mais convenientes para alcançá-a. Vemos essa necessidade particularmente hoje no caso paraguaio, onde a recuperação da soberania energética sobre as represas de Itaipu (com o Brasil) e Yacyretá (com Argentina) converteu-se em uma causa nacional. Reclamamos a revisão das dívidas binacionais e a possibilidade de que o povo paraguaio goze de livre disponibilidade e obtenha o preço justo sobre 50% da energia ali gerada.
Também impulsionamos a criação do movimento de vítimas da mudança climática e a instalação dos ‘Tribunais dos Povos sobre Justiça Climática’. É importante alcançar o fortalecimento das legislações; porém, fundamentalmente garantir o funcionamento da justiça para as comunidades e territórios mais vulneráveis como os atingidos pela mudança climática e pela dívida ecológica. No mesmo sentido, exigimos a incorporação de políticas climáticas nas políticas públicas. Exigimos aos governos do MERCOSUL que reclamem aos responsáveis do Norte o reconhecimento e o pagamento da dívida ecológica em todas as negociações internacionais. E fazemos um chamado à mobilização global pela justiça climática no marco da reunião cúpula das Nações Unidas sobre a mudança climática, em Copenhague.
Sabemos da necessidade de construir soberania financeira desde nossos países, onde nos manifestemos contra o pagamento das dívidas ilegítimas adquiridas sem o conhecimento de nossos povos. Assumimos o compromisso desde nossos movimentos e organizações de realizar uma Auditoria integral cidadã das dívidas financeiras, sociais e ecológicas geradas pela construção e funcionamento de Itaipu e Yacyretá, e o reclamo aos governos envolvidos (Paraguai-Brasil-Argentina) para que façam o mesmo. Exigimos a restituição e reparação das dívidas ecológicas, sociais, econômicas, etc.. Agora mais do que nunca precisamos avançar na construção de alternativas de soberania financeira que respondam às necessidades e aos direitos de nossos povos e à mãe terra. A esse respeito, denunciamos a lentidão, a falta de diálogo e as travas que continuam obstaculizando a criação do Banco do Sul. Reclamamos seu imediato funcionamento, resguardando o principio de "um país, um voto" em todas as suas instâncias e níveis de decisão, e a necessidade de que esteja ao serviço de uma integração desde os povos e para a transformação do modelo produtivo vigente.
Exigimos que também sejam abertos espaços e mecanismos formais de informação e participação da sociedade na criação e funcionamento do Banco do Sul. Chamamos aos movimentos e organizações sociais a multiplicar as ações de sensibilização, debate e mobilização acerca da criação deste e de outros instrumentos de uma nova arquitetura regional, como poderiam ser uma unidade de conta sulamericana, como o Sucre, e um sistema regional de reservas.
Apoiamos a decisão dos governos da Bolívia e, recentemente, do Equador, de sair do CIADI, mecanismo de solução de controvérsias sobre investimentos, dependente do banco Mundial. Demandamos que os países da região assumam igual compromisso, bem como avancem no rechaço aos Tratados Bilaterais de Investimento (TBI). Rechaçamos qualquer forma de tratado comercial que violente a soberania dos povos.
Repudiamos também a repressão constante e a criminalização das lutas de camponeses/as para obter um pedaço de terra. Isso acontece em todo o continente; porém, se vê atualmente com maior crueza no Paraguai. Essas repressões tornaram-se sistemáticas e se realizam sob o amparo de fiscais e juízes, que as fazem parecer legais. Exigimos o cassar das políticas de criminalização da pobreza e da judicialização da luta social, bem como o ‘desprocessamento’ das chamadas leis antiterroristas. Da mesma forma, reclamamos o ‘desprocessamento’ de todos os lutadores/as sociais em toda América Latina.
Da mesma maneira, rechaçamos a militarização crescente do continente promovida pelos Estados Unidos e seus aliados na região e exigimos o retiro da IV Frota dos EUA do Atlântico; o fim dos exercícios militares conjuntos com os EUA; o levantamento de todas as Bases e assentamentos militares estrangeiros e a não instalação de novas Bases; a eliminação da fortaleza militar da OTAN nas Ilhas Malvinas; a suspensão do envio de efetivos à Escola das Américas ou outros institutos similares; o fim das missões militares dos EUA em nossos países; a derrogação das imunidades concedidas aos efetivos militares das Bases dos EUA instaladas em nossos países e castigar aos responsáveis pelas violações ás populações, particularmente às mulheres.
Também expressamos nosso rechaço ao golpe de Estado perpetrado recentemente em Honduras e exigimos a imediata restituição de Manuel Zelaya, legítimo presidente eleito pelo povo irmão. Apoiamos a luta do povo hondurenho pela institucionalidade democrática e pelo direito a manter ao presidente que eles mesmos elegeram. Da mesma forma, repudiamos firmemente a violência militar e policial exercida contra esse povo.
Alentamos a iniciativa do grupo da Alba em convocar seus associados e fazer declarações de apoio ao governo de Zelaya. Também, devemos esforçar-nos para aprofundar as diferentes alternativas de integração regionais que buscam enfrentar o sistema capitalista a partir de outro modelo. Cremos que seria importante que os presidentes do Mercosul avancem no mesmo caminho.
Por tudo isso, nós hoje seguimos no caminho da construção de uma integração latinoamericana desde os povos, fortalecendo nossa identidade regional. Sabemos que para isso devemos seguir nesse processo de luta de nossos povos para construir um novo sujeito que seja o protagonista de sua história e de sua cultura.

Assunção, 23 e 24 de julho de 2009


[Enviado por Minga Informativa de Movimientos Sociales].

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