terça-feira, 17 de março de 2009

VIOLAÇÃO DA LEI E DA JUSTIÇA PENAL EM TIMOR LESTE

Por Sayan Majumdar *

majumdar.sayan@gmail.com

East Timor Law Journal, Março 2009, tradução de Zizi Timor Oan

Fonte: timorlorosaenacao/16 de Março de 2009

Houve um tempo - não há muito tempo, na história da humanidade - quando a vontade do rei era a autoridade suprema. O rei não fazia nada de errado. Ele era o detentor da lei, bem como o detentor do perdão. Nenhum de seus súbditos tinha autoridade para falar contra os seus caprichos e desejos.

Aí prevaleceu a anarquia. Com o passar do tempo as pessoas compreenderam a importância e a necessidade de um código uniforme no qual se iria consagrar a lei onde o rei, bem como os seu súbditos seriam tratados da mesma maneira.

A regra de direito é um conceito desenvolvido por A.V. Dicey, mas o conceito prevaleceu desde sempre. As leis e os sistemas de justiça em todo o mundo são baseados nos sólidos pilares do Estado de Direito. Ele actua como uma orientação para o governo, para promulgar legislação e estabelecer procedimentos e regulamentos que têm por base o conceito de igualdade e de igualdade de tratamento perante os olhos da lei. O primado do direito estabelece a igualdade perante a lei sem distinção de classe, credo, sexo, cor, origem, religião e, social, político e poder económico.

Foi noticiado num jornal timorense, o Timor Post, em 3 de Fevereiro de 2009 que o Presidente José Ramos Horta tinha realizado uma reunião com o ex-líder rebelde, Gastão Salsinha, e outros seguidores do assassinado líder rebelde Alfredo Alves Reinado, incluindo Marcelo Caetano. O Presidente apelou para os ex-rebeldes para revelarem a identidade do homem que disparou contra ele, em 11 de Fevereiro de 2008.

Num mundo moderno e democrático, este acto é vergonhoso e pior ainda vindo de um homem que é o presidente da república. Este acto constitui uma grave violação da doutrina da separação dos poderes de um estado e também a independência do processo judicial face ao poder politico. Tais intervenções corroem o Estado de Direito e atacam os pilares fundamentais da democracia.

Este grande princípio, de que a lei está acima do executivo, foi violado em Inglaterra durante o período revolucionário da Commonwealth e do protectorado. Mas ela voltou a surgir na Restauração e foi confirmada na revolução de 1688, que foi afectado contra James II para estabelecer conclusivamente que a lei está acima de tudo, incluindo o próprio rei. Todos são iguais aos olhos da lei.

O artigo no 1 da Constituição da Republica de Timor Leste consagra:

“A República Democrática de Timor-Leste é um Estado de direito democrático, soberano, independente e unitário, baseado na vontade popular e no respeito pela dignidade da pessoa humana.”

A primeira parte da Constituição de Timor-Leste depende fortemente do estado e baseada em princípios do Estado de Direito. No entanto, as violações gritantes são cometidas pelo Presidente, esquecendo este de todos os conceitos de Estado de Direito e também da separação dos poderes do Estado, como previsto no âmbito da Constituição de Timor-Leste. Também é triste afirmar que nenhuma acção seja tomada contra o presidente pelas suas acções para desacreditar o sistema judicial do pais.

Este acto é também, uma violação do artigo 6 º da Constituição de Timor-Leste que prevê os objetivos fundamentais do Estado.

Artigo 6 (b) consagra:

“Garantir e promover os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático.”

Que esperança tem Timor Leste? Este pais implementa essencialmente o código de direito civil baseado no direito continental europeu colonial que consagra o triunfo da lei a favor de caprichos dos órgãos políticos do pós-independência, enquanto existem fenómenos inquestionáveis de gritantes manipulações do poder judicial e, como reportam os media, das intervenções completamente inapropriadas do presidente neste caso.

A missão das Nações Unidas em Timor-Leste (UNMISET) permanece silenciosa sobre estes assuntos. As Nações Unidas seguem um caminho de não-interferência nos assuntos internos dos Estados-Membros. É tempo de todos nós considerarmos se a posição de não-interferência é justificada quando o Presidente de um Estado se coloca acima da lei.

O silêncio sobre essas questões equivale a cumplicidade com a obliteração dos princípios constitucionais do Estado de Direito e da separação de poderes. A UNMISET, sem dúvida ficará sem poderes e lavará as suas mãos enquanto o Estado de Direito em Timor se destrói, trazendo sofrimentos desastrosos para o povo de Timor Leste.

O artigo 16 da Constituição prevê universalidade e igualdade e diz o seguinte:

“Todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres.”

O acto do Presidente Horta é contrário ao artigo acima transcrito. Se cada cidadão começa investigar o seu próprio caso e começa a resolver os conflitos cara a cara com o acusado, então qual é a finalidade do sistema judicial e da lei? Se eles coagirem os suspeitos para obter informações sobre se eles cometeram um crime ou não, confrontando-os directamente e também os seus familiares, então qual é o propósito que servem as provas apresentadas em tribunal?

Este acto do Presidente Horta também é mais uma violação do artigo 34 da Constituição, bem como um princípio fundamental consagrado na lei. O artigo 34 (1) consagra:

“Todo o arguido se presume inocente até à condenação judicial definitiva.”

Se esta é a maneira de administrar a justiça isso evolui então para uma pessoa da qual se tem uma pequena suspeita possa ser extorquida e ser sujeita despropositadamente a tortura e pressão. Esta acção do Presidente nega ao acusado um julgamento adequado.

A declaração acima transcrita é suportada pelo artigo 34 (3) da Constituição e consagra o seguinte:

“É assegurado a qualquer indivíduo o direito inviolável de audiência e defesa em processo criminal.”

Mais ainda o artigo 34 (4) diz que:

“São nulas e de nenhum efeito todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa à integridade física ou moral e intromissão abusiva na vida privada, no domicílio, na correspondência ou em outras formas de comunicação.”

Contudo, há medidas na Constituição que salvaguardam o arguido em não ser coagido a dar provas e evidências. E as provisões acima transcritas são uma garantia e não meramente medidas discricionárias que os políticos tenham para usarem estes poderes como quiserem. Os Direitos têm de ser respeitados.

A separação de poderes é um termo atribuído a um mandato para o político filósofo iluminista francês Barão de Montesquieu, é um modelo para a governação dos Estados democráticos, tendo a sua origem numa ideia antiga de um governo diversificado. O modelo também é conhecido como a 'Trias politica". O modelo foi desenvolvido inicialmente na antiga Grécia e entrou em uso generalizado pela República romana como parte da não codificada Constituição da República romana.

De acordo com este modelo o Estado é dividido em três ramos e cada um tem poderes separados e independentes, e áreas de competência. Os poderes dividem-se normalmente em executivo, legislativo e judicial.

O artigo 69 da Constituição reconhece este principio:

“Os órgãos de soberania, nas suas relações recíprocas e no exercício das suas funções, observam o princípio da separação e interdependência dos poderes estabelecidos na Constituição.”

A afirmação por trás da separação de poderes é de que quando uma pessoa ou um grupo tem grandes poderes eles tornam-se um perigo para os direitos do cidadão. A separação dos poderes é uma técnica de remoção da quantidade de poder nas mãos de um grupo, tornando-se assim mais difícil o abuso de poder. Se apenas um pequeno grupo partilhasse os três poderes eles teriam então um poder ilimitado.

Eles poderiam especificar qualquer lei, prender o “criminoso” e depois decidir que ele é culpado.

Porém, através da separação de poderes, a nenhum grupo pode ser designado mais do que um desses poderes. Somente através da combinação destes poderes o Governo pode legitimamente recorrer à força. Ao requererem o consentimento de todos os três poderes aumenta assim a probabilidade de que o Governo não recorrerá à violência.

Portanto, as acções do presidente Horta violam os princípios da separação de poderes.

Não há qualquer justificação para este acto. O seu dever é dar o exemplo e ser um líder para o qual outros olharão com respeito.
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O juramento exigido ao Presidente da Republica está consagrado no artigo 77 (3) da Constituição:

“Juro, por Deus, pelo Povo e por minha honra, cumprir com lealdade as funções em que sou investido, cumprir e fazer cumprir a Constituição e as leis e dedicar todas as minhas energias e capacidades à defesa e consolidação da independência e da unidade nacionais”.

Contudo, ainda há esperança para restaurar a mutilada democracia. As Nações Unidas têm de tomar os passos necessários para que violações como esta não aconteçam. Todas as doações recebidas pela UNDP para Timor Leste deveriam ser canalizadas de forma a revitalizar o afectado poder judicial bem como a restauração do respeito pela lei e ordem.

Os media também têm de ser chamados a desempenhar um papel importante, de modo a relatar em primeira-mão informações prevalecentes em Timor Leste. Os media desempenham um papel bastante importante no mundo moderno, estes podem advertir consciências e também pressionar as autoridades a tomarem medidas contra estas violações.

Actos como estes não deveriam ficar impunes.

A Constituição de Timor Leste providencia claras directrizes em relação às obrigações constitucionais do presidente.

O artigo 79 (2) consagra o seguinte:

”O Presidente da República responde perante o Supremo Tribunal de Justiça por crimes praticados no exercício das suas funções e pela violação clara e grave das suas obrigações constitucionais.”

Um processo poderia ser iniciado no Tribunal de Recurso de Timor Leste para que o presidente providencie as razoes das suas acções. O cargo de presidente tem certos privilégios mas não lhe concede poderes ilimitados sem nenhuma auditoria.

Outra solução para este problema seria o reforço e também o aumento de poderes à sociedade civil. Programas da sociedade civil que tivessem em foco o sistema judicial, deveriam ser priorizados.

Um inquérito adequado deve ser feito aos trabalhos do Parlamento e à Constituição.

Reformas deveriam ser feitas para implementar claras e concisas directrizes. Particularmente o estabelecimento de organizações credíveis em Timor Leste, tais como: um Programa de Acompanhamento do Sistema Judicial, Associação dos Direitos e Associação de Advogados de Timor Leste. Esses deveriam levantar as suas vozes contra tais acções.

*Sayan Majumdar é um estudante no quarto ano de direito e prosseguindo o BBA LLB em ICFAI, na Faculdade de Direito, India

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