segunda-feira, 28 de maio de 2007

Timorenses violadas na 2ª Guerra contam suas histórias


Rui Boavida
Tóquio – A professora japonesa Kiyoko Furusawa conta histórias de terror que ainda hoje assombram as mulheres do Timor Leste, como a de Marta Abu Bere que, durante a ocupação japonesa do Timor, durante a 2ª Guerra Mundial, chegou a ser violada por dez militares diferentes por noite, todas as noites.

Centenas de mulheres timorenses, pelo menos 270, muitas delas crianças que ainda não tinham tido a primeira menstruação, foram levadas pelo exército imperial japonês durante a ocupação da então colônia portuguesa, que durou de 1942 a 1945. O destino era sempre o mesmo: a escravidão sexual nos bordéis que serviam os oficiais e os soldados japoneses.

"A avó Marta Abu Bere contou que, depois de ter tido dez homens numa noite, sentia que tinha um grande buraco na parte inferior do corpo, e não conseguia parar de pé por causa da dor. Mas quando tentava resistir, estrangulavam-na e ameaçavam-na de morte", diz Kiyoko Furusawa, professora da Universidade Cristã das Mulheres de Tóquio e organizadora de uma exposição na capital japonesa sobre o sistema de escravatura sexual do Japão sobre as mulheres timorenses.

"Muitas delas eram muito jovens, nem sabiam o que era o sexo e por isso tinham muito medo. Além de terem relações com os soldados durante a noite, eram forçadas durante o dia a construir estradas, a trabalhar na agricultura e a fazer comida", conta Kiyoko Furusawa.

"A avó Marta disse que nessa altura até tinha inveja dos animais domésticos. Eles pelo menos podiam dormir durante a noite", acrescenta. "Diversas mulheres que recusaram a escravidão e as torturas sexuais foram executadas".

Por horrível que seja, a experiência da avó Marta foi infelizmente comum no Timor Leste durante a ocupação japonesa, como mostra a exposição no museu de Tóquio. Finalmente, as mulheres do Timor Leste começam a falar dos seus sofrimentos e traumas, calados há mais de cinqüenta anos.

Relatos
A exposição da capital japonesa baseia-se na coleta, por parte de organizações de direitos humanos japoneses e timorenses, de testemunhos orais das mulheres, fotografias e relatos orais e escritos de sobreviventes e testemunhas oculares, incluindo três veteranos de guerra japoneses que descrevem como funcionavam os "Ianjo", os bordéis militares geridos pelo exército japonês.

"Já localizamos 20 postos militares onde o exército japonês estabeleceu as chamadas estações de conforto. É altamente provável que existisse uma estação por cada um dos 27 postos que existiam no Timor em 1944, embora por vezes existisse mais de uma estação. Cada posto tinha pelo menos dez garotas, portanto o total de vítimas é de 270, no mínimo", diz Furusawa, que coordenou também o projeto de coleta dos testemunhos através da organização Coligação Japonesa por Timor Leste.

As forcas japonesas entraram no Timor em fevereiro de 1942 para expulsar as forças australianas que tinham ocupado o território em dezembro de 1941, violando a neutralidade da então colônia portuguesa.

Os japoneses ordenaram então aos "liurai", os reis tradicionais, que fornecessem mulheres para servir de escravas sexuais às tropas, e de pouco valia resistir às ordens.

Em Suai, atual capital da distrito ocidental de Covalima, "o rei Marcelo recusou e foi executado em frente de toda a população no posto militar japonês de Bobonaro, outro distrito ocidental do Timor", conta Kiyoko Furusawa.

Reforçando a impotência das mulheres timorenses, Inês de Jesus, outra das vítimas das atrocidades japonesas, cujo testemunho está exposto em Tóquio, conta sentir "que não valia a pena escapar, porque todos conheciam a minha casa e os meus familiares, que iriam depois sofrer as conseqüências".

A ilha era uma verdadeira prisão a céu aberto, uma vez que o território era ocupado por cerca de 12 mil japoneses, que estavam em todo o lado, para uma população de 463 mil pessoas.

Incompreensão e desprezo
Mesmo depois do final da guerra, da capitulação japonesa e da saída do Japão do Timor em 1945, as feridas das jovens escravas sexuais não se fecharam. Aos traumas físicos e psicológicos das violações em massa juntaram-se na época a incompreensão e o desprezo dos timorenses.

De acordo com Kiyoko Furusawa "as mulheres foram vítimas de discriminação pela comunidade, que não conhecia a verdade sobre os crimes. As pessoas pensavam que elas tinham recebido privilégios durante a ocupação".

Os crimes de exploração sexual das mulheres de conforto, que aconteceram em muito maior número na China, na Coréia do Norte e na Coréia do Sul, entre outros países asiáticos, são ainda crimes anônimos, sem penas, sem culpados e sem sentenças.

Em 2000, grupos não-governamentais preocupados com a falta de responsabilização pelas atrocidades sexuais no tempo da guerra criaram em Tóquio um tribunal popular, em que participou Gabrielle Kirk McDonald, a juíza que presidiu ao primeiro Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia, que condenou o imperador Hirohito (já falecido) e altas patentes militares japonesas por crimes contra a humanidade.

A Coligação Japonesa por Timor Leste exige agora que o governo japonês reconheça as vítimas da escravidão sexual e exige o pagamento de indenizações. O Japão recusa, afirmando não ter recebido qualquer pedido do governo timorense. (Lusa / 25 de maio de 2007)

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